Percepção da dor e a fáscia como segundo cérebro

É comum ouvirmos dizer que o intestino é o segundo cérebro do corpo humano, dada a incrível conexão estabelecida entre os dois órgãos. A comunicação é tão estreita que pode afetar até mesmo o humor e a concentração, caso algo dê errado.

No entanto, o cérebro possui outros sócios que fazem muita diferença no organismo.  No caso da percepção da dor, podemos dizer que seu braço direito é NINGUÉM MAIS, NINGUÉM MENOS que a fáscia.

Vocês, que me acompanham neste Blog, sabem que sou suspeito para falar. Mas afirmo com toda certeza que, neste quesito, a fáscia pode ser apresentada como um segundo cérebro do corpo humano. Isso porque ela responde pela comunicação com o sistema nervoso central e é o tecido com maior concentração de terminações nervosas. Além do mais, a fáscia promove uma série de interações mecânicas que geram informações às diversas estruturas presentes no corpo. E é dela que muitas das sensações de dores e também das posturas e movimentos são percebidas.

Definição da dor

A dor é uma experiência sensorial e emocional associada a uma lesão real ou potencial, que não ocorre no momento da percepção. Isso significa que o que faz doer não é apenas o estímulo ou a lesão, mas sim as informações que são codificadas e levadas pelas fibras nervosas a diferentes áreas do cérebro. Logo, a percepção da dor é muito mais próxima da memória do que do tato.

No cérebro, diferentes áreas são responsáveis pelas respostas diversas quanto à dor. O córtex pré-frontal define o que a pessoa vai fazer para conter o estímulo: se vai tomar remédio, procurar ajuda médica, entre outros.

Já o córtex sensitivo identifica local e intensidade da dor, enquanto a amígdala ativa a memória da dor e a ínsula promove a reação emocional, como raiva ou tristeza, por exemplo.

E onde a fáscia se encaixa nisso?

Dentro deste contexto, a fáscia possui atuação direta. A sensação corporal se constitui como um meio de equilíbrio.

Vamos imaginar que, em seu estado saudável, ela tem um aspecto ondulado e relaxado e pode se alongar sem restrições. Porém, se nosso corpo sofre traumas físicos ou até mesmo emocionais, ou se está em processo de cicatrização ou inflamação, a fáscia perde essa flexibilidade, tornando-se restrita.

Quando isso ocorre, ela não oferece mais o conforto esperado, transformando-se em uma fonte de tensão que se propaga por todo o corpo – afinal ela está totalmente interligada. Por isso que traumas localizados podem ser sentidos em outras partes do organismo. Estudos mostram que a tensão fascial no joelho, por exemplo, pode ter consequências em lugares como o quadril ou o tornozelo.

As alterações que os traumas provocam no sistema fascial influenciam significativamente as funções do corpo, resultando em um fluxo sanguíneo ruim, impulsos nervosos mais fracos, flexibilidade e amplitude de movimento limitadas, entre outros problemas. Daí, temos dores musculares, de cabeça ou restrições nos movimentos.

Caixinha de memórias da fáscia

Como acabamos de ver, a fáscia tem conexões diretas com cérebro por vários motivos. Mas principalmente porque ela é um órgão sensorial, que carrega uma infinidade de receptores neurais relacionados à percepção tátil, proprioceptiva, temperatura, PH da MEC, cisalhamento, pressão e distensão (Schleip, 2017).

Esses receptores enviam informações para as estruturas corticais e subcorticais, onde se relacionam com a formação emocional (Craig, 2016). Ela apresenta, inclusive, uma memória que se organiza não somente no sistema límbico, mas por todo o corpo com um caráter de aumento da velocidade de resposta, aumentando consequentemente a chance de sobrevivência do indivíduo (Barral, 2017).

Esse tecido parece apresentar grande relação com o sistema nervoso autônomo (SNA), pois apresenta vários receptores autonômicos no tecido fascial e nos vasos que transitam por ele (Tozzi, 2016).

Para se ter uma ideia de como funciona isso na prática, quando vivenciamos emoções positivas ativa-se o lado esquerdo do córtex insular e também o hipotálamo esquerdo, o qual ativa o SNA parassimpático (Craig, 2016), que promove um relaxamento de todas as fáscias de movimento (fáscia epimisal e fáscia profunda). Ao se vivenciar emoções negativas, ativa-se o córtex insular direito e, este ativa o hipotálamo direito, estimulando uma ação do SNA simpático com consequente aumento do tensionamento das fáscias de movimento (Craig, 2016).

E seu o seu cérebro estiver enganado sobre sua dor?

Sim, isso é possível. Curiosamente, essa é uma medida protetiva adotada por ele para evitar que seu organismo seja submetido a movimentos que causem ainda mais dor no paciente.

Um estudo muito interessante realizado por pesquisadores da Universidade de Alberta, no Canadá, apontou que nem sempre a sensação de rigidez na coluna reflete realmente uma rigidez biomecânica. 

Para a pesquisa, eles contaram com a participação de 15 pessoas com dor lombar crônica e 15 pessoas saudáveis, e perguntaram a elas quão rígida elas achavam que sua coluna estava. Depois disso, usaram um equipamento para medir exatamente o nível de rigidez da região.  Acreditem: não foi encontrada uma relação significativa entre a sensação de rigidez reportada pelos participantes e o nível medido pelo equipamento.

Isso aconteceu porque a sensação de rigidez pode ser um constructo protetivo, criado pelo Sistema Nervoso da pessoa com dor para evitar, por exemplo, que ela faça movimentos que possam lesionar ainda mais a coluna. A partir da sensação de rigidez, a pessoa passa a fazer movimentos mais lentos e suaves, o que pode ter uma função protetiva.

Apesar da situação ser intrigante, ela pode ocorrer.

Como conclusão, o sistema fascial tem se apresentado como um sistema ligado a diversos tipos de sensações dolorosas e deve ser investigado. Um bom alongamento, lento e calmo pode ser um elemento chave para prevenir e para restabelecer o conforto diário.

1 comentário em “Percepção da dor e a fáscia como segundo cérebro”

  1. Boa noite Johannes, eu gostei muito dessa sua postagem e de outras também! Essa especificamente da Percepção da Dor e Fáscia o 2° cérebro. Quero muito obter os nomes dos artigos citados nessa postagem.
    * Schleip 2106
    * Craig, 2016
    * Barral 2017
    * Tozzi 2016

    Quero ler muito estes artigos interessantes!

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